domingo, 7 de agosto de 2011

CONTOS DO FARRAZINE

O Trabalho Irrita o Homem (e os gatos também)! - por Jacarandá (Jussara Gonzo)

Enrodilhar-se no lugar mais macio e quentinho que encontrar e ali ficar até o Juízo Final. Este é o grande objetivo da vida de um gato. E, sinceramente, é o meu objetivo também! E se duvidar, de todas as outras pessoas deste mundo.

O único motivo pelo qual as pessoas trabalham tanto é, para no futuro, não terem mais que trabalhar. Por mais que o profissional ame o seu trabalho ele, um dia, vai querer largar aquilo. Não porque acaba desgostando do que faz, de jeito nenhum.
Mas há um momento em que, por mais que ame a literatura, todo escritor gostaria que seus livros se escrevessem sozinhos...

Todo atleta gostaria que seu corpo se mantivesse em forma para sempre...

Toda cozinheira gostaria que os pratos deliciosos que faz ficassem prontos sem a ajuda dela...

Todo publicitário gostaria que suas peças ficassem prontas antes do deadline...

Todo advogado gostaria de ferrar os outros sem ter que conferir pela 10985° vez o código penal...

As pessoas trabalham feito mulas para, enfim desfrutarem da paz que merecem. Mas veja só: muitos, quando se aposentam, ficam completamente caducos! Trabalharam tanto que não sabem mais como ficar sem fazer nada. Ficam procurando coisas para fazer. Vovozinhas fazem tricôs mais rápido do que qualquer máquina têxtil. Vovozinhos adoram mexer em calhas e consertar coisas que não sabem como funcionam.
E, acima de tudo, trabalhamos para poder nos gabar um dia, principalmente aos mais novos: “Eu levantava às cinco da manhã todos os dias para ir trabalhar!”; “No meu tempo não tinha internet, nós tínhamos que correr atrás da notícia na raça mesmo!”; “Windows? Frescura! Na minha época eu só programava com zeros e uns!”.

Falam para se mostrarem superiores, provarem que podem encarar qualquer coisa a hora que for preciso (ou pelo menos podiam). “Na sua idade eu criava galinhas, ordenhava vacas, fazia minha própria manteiga e entregava o briefing antes do galo cantar!”. E sentem-se ultrajados quando perguntam como foi o seu dia e você responde: “De manhã, acordei às onze horas, almocei, fiz a siesta e passei a tarde inteira jogando Nintendo”.

Chamam você de vagabundo (como se resgatar a princesa Peach não fosse trabalhoso...), de preguiçoso.
Caluniam os jovens de vida boa, dizendo que jamais sentirão a satisfação do trabalho. Mas a bem da verdade é que, se o trabalho tivesse lhes trazido tanta satisfação assim, jamais teriam se aposentado e não ficariam se queixando das peripécias pelas quais passaram.

No entanto, haverá uma hora que nós também teremos que dar duro, MUITO duro! Mais do que já pensamos dar hoje em dia. Por isso escolhemos a profissão que mais amamos para, no final da vida, perceber que NÃO HÁ profissão que você ame: todo trabalho é um porre.

E até o Juízo Final, nossos gatos domésticos mimados serão os únicos que verdadeiramente alcançarão a iluminação divina. Pois eles, ao contrário de todos os outros seres vivos, sempre conseguirão atingir seu objetivo: enrodilhar-se no lugar mais macio e quentinho que encontrar e ali ficar... sem se preocupar com o despertador ou com o colesterol acumulado nas veias se você não levantar seu traseiro gordo da cama e praticar algum exercício.


Texto publicado no Farrazine #14 que você pode ver online aqui ou baixar aqui

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