segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

VICIADOS NA FACA - Resenhas do Farrazine

Apreciar um musical requer uma sensibilidade que, pra ser bem sincera, eu não tenho. São raros os filmes desse gênero que realmente despertam algo em mim. Com exceção de dois ou três, que me interessam mais pela estética que por qualquer outro motivo, musicais não me parecem muito eficazes quando se trata de descrever o descontrole e a sordidez humana. E esse é um tema que me interessa muito.
No entanto, há pouco tempo, tive o prazer de assistir a um dos musicais mais insanos e incríveis já feitos: Repo: The Genetic Opera.


 Em um futuro não muito distante (2056, para ser mais exata), uma epidemia de falência de orgãos causa a morte de milhões de pessoas, transformando o planeta em um cemitério gigante. Em meio ao caos, surge a companhia Geneco, especializada em transplantes de órgãos, facilitando as formas de pagamento dos "produtos", para que todos possam ter direito a uma segunda chance. Mas, obviamente, toda transformação tem seu preço. E para a Geneco, dívidas devem ser pagas com a vida. Caso algum cliente não pague por seus novos órgãos, o temível RepoMan é enviado para "repossuí-los".


Em um mundo onde a transformação física acarreta também uma transformação de personalidade e a oportunidade de uma nova vida, a facilidade com que se assume diferentes facetas dentro de um universo sem lei (e aqui podemos traçar um paralelo com a própria Internet) faz com que grande parte da população se torne viciada em cirurgias (não só plásticas), como uma tentativa, ou melhor, uma necessidade de se encaixar no quadro disforme, doente e desesperador que se forma diante de seus olhos.


Um universo neo-gótico povoado por exageros, assassinatos sancionados pela lei e milhões de viciados em analgésicos, contribuindo para o aumento do tráfico de drogas, constroem uma imagem assustadoramente similar à nossa realidade, uma espécie de hipérbole da sociedade em que vivemos hoje, a qual nos obriga a assumir diferentes identidades devido à enorme quantidade de informação e possibilidades a que somos expostos.
Ao contrário, porém, da minha visão otimista da coisa, já que sempre fui defensora do acesso total às informações, The Genetic Opera (que, por sinal, foi produzida pelo “Deus do JRock”, Yoshiki, ex-líder do X-Japan, *detalhe importantíssimo para minha pessoa*) apresenta um olhar bastante sombrio sobre nosso futuro, escancarando a tendência humana à vaidade e ao descontrole, a ponto de nos alienar diante das facilidades do mundo moderno, explicitando, assim, *olha a ironia* exatamente aquilo que é constante alvo de críticas quando o assunto é a intensa onda de informações: o vazio pelo exagero.


Esse filme, a meu ver, retrata como nenhum outro o momento em que nos encontramos: um show de horrores divertidíssimo... e mesmo que você finja que se importa com as coisas horrendas lá fora... nós sabemos que você só se importa com aquela pessoa que te olha através do espelho todas as manhãs, e nós sabemos que você deseja intimamente poder mudar... não o mundo... mas a si mesmo.


Só espero que o terrível RepoMan não venha nos buscar um dia desses... porque... convenhamos... não parece meio óbvio que já estamos todos viciados na faca? De uma maneira ou de outra?


Texto de Jaqueline Scognamiglio publicado no Farrazine #12


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